Há uns dias, falámos com a vencedora da 4.ª edição do concurso Poesis, o concurso de tradução de poesia dinamizado pelo Instituto de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos da Universidade de Varsóvia e o leitorado do Camões I.P. nesta instituição. A conversa com Irena Wypych possibilitou-nos conhecer melhor a sua forma de trabalhar sobre a tradução. Está tudo aqui em baixo.
Boa leitura!
O poema de Mia Couto tem versos bastante curtos e quase nenhuma rima, por isso à primeira vista pode parecer fácil de traduzir. Foi realmente assim?
Pelo contrário. Se tivesse de resumi-lo numa palavra só, eu diria: exigente. Exigiu precisão na escolha das palavras, atenção à estrutura e precisão na recriação das imagens. Trabalhei nele até ao prazo de entrega e sei que — como em qualquer tradução — se eu voltar a trabalhar nele, provavelmente encontrarei outras soluções.
Qual foi a passagem que lhe causou mais problemas e porquê?
A penúltima estrofe. É a descrição mais pungente do estado do sujeito lírico. E o mais ambíguo. Pensei em várias interpretações na tradução e analisei especialmente o campo semântico da palavra “sonho”. No final, decidi ficar perto da fonte para não privar a estrofe do seu significado. Mas se eu tivesse oportunidade de consultar o autor, perguntar-lhe-ia sobre estes cinco versos.
A Irena teve contacto com o trabalho de Mia Couto antes?
Antes de ler “Poema da despedida” pela primeira vez, não sabia nada sobre Mia Couto. Quando apresentei a tradução do poema, já tinha lido Terra Sonâmbula. No início, não acreditei que as duas obras se entrelaçassem em qualquer lugar, afinal são muito diferentes — da forma ao conteúdo. Porém, rapidamente comecei a reparar no incrível cuidado linguístico. E agora que já passou algum tempo desde a tradução e a leitura, pergunto-me se não se encontram em mais uma coisa — na ênfase que dão à importância do sonho e à possibilidade (ou impossibilidade) de se contar uma história. E aqui voltamos ao significado da penúltima estrofe e à palavra “sonho”.
Quanto tempo demorou o processo de tradução? Passou muito tempo a polir o poema?
É difícil dizer quanto tempo levou todo o processo. Consistiu em várias etapas e fiz longos intervalos entre elas. Como o português é uma língua que ainda estou a aprender, e um poema é uma forma curta, comecei com algo que sempre gostei na universidade – pela análise de texto. Não desenhei árvores com estruturas gramaticais, isso seria demasiado. Mas olhei para ele verso a verso. Prestei atenção à sintaxe, ao significado de palavras particulares e à forma como funcionavam no contexto. E ao conhecer cada elemento do poema, criei uma tradução extremamente fiel do mesmo com muita informação adicional para trabalhar depois. E pu-lo de lado. O passo seguinte foi a criação da primeira versão do poema em tradução. E depois disso, também fiz um intervalo para me distanciar. A última fase, o polimento, foi a mais agradável de todas. Li o poema uma e outra vez e após cada leitura removi algo, rearranjei, substituí. Até que permaneceu nele apenas o que era essencial.
Lembro-me que também participou na edição anterior do concurso e ficou em terceiro lugar. Que poema foi mais desafiante para si e porquê?
Não creio que se possa compará-los com uma escala – a diferença de dificuldade na tradução de “Lusotopias mil” e de “Poema da despedida” reside noutro lugar. No primeiro, o desafio era recriar, em polaco, uma bela paisagem verbal; no segundo, era manter a brevidade sem perder o sentido. Com “Lusotopias mil” gostei de trabalhar no início, quando criei o esqueleto do poema, mas depois, ao tentar recriar um ambiente certo, foi muito mais difícil. Com o “Poema da despedida” foi ao contrário — a parte mais laboriosa foi no início, quando analisei versos individuais, e a parte mais agradável foi no final, quando “limpei” o poema de elementos desnecessários e o poli.
A que compararia o ato de tradução?
Pensei nisso muitas vezes, e dependendo do projeto de tradução em que estou a trabalhar no momento, veem-me à mente algo diferente. Ao traduzir o poema de Mia Couto, imaginei-me… a brincar com lego. O poema foi criado de blocos numa língua, e eu queria construí-lo com outro conjunto. Os blocos em polaco tinham formas diferentes e exigiam uma forma diferente de ligação. Às vezes, no conjunto português havia um elemento que não existia no conjunto polaco e que tinha de ser substituído por algo. E, às vezes, o equivalente a vários elementos no edifício original era um bloco perfeito na tradução. Mas ficou claro desde o início que tudo podia ser montado de alguma forma, por isso é uma comparação muito motivadora. E é coerente com a forma como vejo a linguagem em geral — como um conjunto de elementos que, embora sujeitos a um número finito de regras de combinação, oferecem um número infinito de possibilidades.
De onde veio o seu interesse pela língua portuguesa? Onde a aprendeu?
Durante um dos projetos de tradução conheci pessoas simpáticas de Portugal que me contaram coisas maravilhosas sobre o seu país. Era impossível não querer lá ir. Eu e o meu companheiro organizámos uma viagem mais longa, percorrendo diferentes regiões de Portugal, mas, no início, não estava planeada a aprendizagem da língua. Contudo, quanto mais tempo viajávamos, mais pessoas conhecíamos que tinham muitas histórias interessantes para contar. E lamentava ainda mais o facto de muitas vezes compreender algo apenas parcialmente, utilizando o inglês ou alguns restos de línguas românicas de que me conseguia lembrar. Pensei que seria uma boa ideia, pelo menos, aprender o básico, e inscrevi-me no Curso de Verão da Universidade do Porto. E depois não quis parar a meio do caminho. Estou a aprender português até agora, ao meu próprio ritmo, já em forma de aulas online. O meu professor atual é da costa alentejana, e sempre que falamos de Portugal — que é quase sempre, afinal, são aulas de português — quero ir lá de novo o mais rápido possível.
Tem um escritor ou romancista de língua portuguesa favorito ou talvez um poeta/poeta?
Penso que ainda é demasiado cedo para eu fazer uma classificação. Mas sei que um dos livros de língua portuguesa que gostaria de ver traduzido para polaco um dia, é As Novas Cartas Portuguesas, das Três Marias. Este livro evita quadros rígidos de género, e as circunstâncias da sua publicação são comoventes. E é uma voz feminina forte na literatura, que, embora colocada no papel meio século atrás, ainda permanece relevante hoje em dia.
Os seus planos para o futuro estão relacionados, em certa medida, com a área da língua portuguesa?
Sonho em voltar a viajar em Portugal. E gostaria de fazer o exame de língua portuguesa. Talvez até possa combinar um com o outro?