A prova de amizade. Segunda Guerra Mundial, 1939-1945 (Parte III)
Entre o final de 1942 e o início de 1943, quando os rumores de uma possível invasão alemã a Portugal se começaram a dissipar, alguns dos refugiados decidiram que permanecer na dependência do governo polaco na amigável, pacífica, encantadora e soalheira “pátria de Vasco da Gama” era a solução ideal. A sua situação era muito melhor do que noutros países, mesmo nos neutros. Muitos deles, portanto, não queriam partir, quer fosse para a bombardeada Inglaterra quer para a América, onde já não se podia contar com os subsídios. Em 1943, o governo de Lisboa permitiu o trânsito em massa dos polacos libertados do campo espanhol de Miranda de Ebro e das prisões — chegavam de comboio ao porto de Vila Real de Santo António, de onde partiam em navios britânicos para Gibraltar. Desta forma, foram evacuados, entre outros, Marian Rejewski e Henryk Zygalski, que na viragem de 1932 para 1933, decifraram a máquina codificadora alemã Enigma, o que deu aos Aliados uma vantagem significativa durante a Segunda Guerra Mundial. O número de refugiados polacos em Portugal diminuiu drasticamente após os desembarques dos Aliados na Normandia, em junho de 1944.
A atitude das autoridades portuguesas em relação aos interesses e às instituições da República da Polónia e dos refugiados polacos, mesmo os ilegais, foi, em muitos casos, amigável e de um modo geral correta. Muitas vezes, a chamada Polícia Internacional (PVDE, Polícia de Vigilância e Defesa do Estado) tolerou a estada prolongada dos cidadãos polacos e o seu afluxo, embora tenham sido feitos esforços para os persuadir a partir. Quando houve rumores de uma possível invasão e quando o afluxo de refugiados se intensificou, a pressão aumentou e foram usados métodos policiais, entre outros, detenções no caso de entradas ilegais ou das pessoas que repetidamente se recusavam a sair de Portugal. Alguns dos que foram detidos a atravessar ilegalmente a fronteira foram enviados para a prisão do Aljube em Lisboa e depois para o centro da Ericeira, ou, em outros casos, diretamente para este último local. Houve situações de refugiados capturados perto da fronteira a serem expulsos para Espanha, especialmente soldados, que geralmente regressavam a Portugal após algum tempo.
A assistência médica aos refugiados polacos foi uma questão da maior importância. Em teoria, os médicos refugiados polacos não estavam autorizados a exercer em Portugal, embora fosse geralmente tolerado, e os seus colegas portugueses passassem receitas por eles. Uma figura popular foi a Dr.ª Adelaide Constantino Viegas, médica oriunda de Moçambique, no Comité de Auxílio aos Refugiados Polacos desde 1941, que aprendeu dezenas de palavras em polaco para poder comunicar com os seus pacientes. Os padres católicos desempenharam um papel importante na vida da comunidade polaca em Portugal, participando ativamente na ajuda aos refugiados, incluindo os judeus. Entre 1942 e 1944, o clérigo polaco de mais alto nível foi o bispo Stanisław Okoniewski, da diocese de Chełmno (Culm), que morreu em Lisboa. A função de pastor informal dos polacos foi desempenhada pelo padre Wojciech Turowski, finda a guerra, prior da Congregação dos Padres Palotinos. As missas polacas eram celebradas principalmente na capela de Nossa Senhora de Fátima da Igreja de São Mamede, e na capela de Nossa Senhora de Montserrate, construída num dos arcos do Aqueduto das Águas Livres de Lisboa.
Lisboa tornou-se num local importante para as complexas operações financeiras do governo polaco. Por outro lado, o Comité de Auxílio aos Refugiados Polacos, a Delegação da Cruz Vermelha Polaca e a Delegação do Conselho da Comunidade Polaca na América organizavam envios de pacotes de alimentos para o país sob ocupação alemã. Foi utilizada a estação de correios local, que respondia repetidamente às solicitações das instituições polacas, criando, entre outras coisas, delegações especiais nestes postos avançados, onde as encomendas para expedição eram aceites no local em grandes quantidades. A secção de encomendas do Comité de Auxílio empregava pessoal local. Inicialmente eram despachados café, chá, cacau, sardinhas e chocolate. Em dezembro de 1941, como resultado da pressão britânica decorrente do bloqueio à Alemanha, as autoridades portuguesas proibiram a exportação de mercadorias que chegavam ao país por via marítima.
Assim sendo, no período seguinte, foram enviados só produtos de origem portuguesa, essencialmente, sardinhas, amêndoas, figos, passas, frutos secos e sumos. Esta ação demonstrava que as autoridades polacas se lembravam dos seus compatriotas na pátria ocupada e que os bens indisponíveis numa Polónia assolada pela fome podiam ser trocados ou vendidos. Os remetentes eram fictícios. Foi solicitada a confirmação da receção das encomendas, pelo que chegaram milhares de cartas da Polónia, que eram frequentemente os únicos sinais de vida dessas pessoas. Algumas das encomendas foram roubadas pelos nazis. Como resultado dos desembarques dos Aliados na Normandia, a comunicação postal com a Polónia foi interrompida. Durante a guerra, as instituições polacas enviaram mais de 1,5 milhões de encomendas para o país, incluindo 719.000 da Delegação Polaca da Cruz Vermelha e 600.000 do Comité de Auxílio aos Refugiados Polacos. Portugal foi o único país em que este tipo de ação pôde ser levado a cabo em tão grande escala.
LEGENDAS DAS FOTOGRAFIAS
- Funcionários dos correios portugueses no carregamento de encomendas em sacos postais na sede do Comité de Auxílio aos Refugiados Polacos. Entre 1941 e 1944 © ZJK
- Celebração da aceitação de uma oferenda da comunidade polaca americana aos soldados polacos internados no campo de Miranda de Ebro em Espanha. Da esquerda para a direita: o bispo Stanisław Okoniewski, o padre Wojciech Turowski e Florian Piskorski. Lisboa, entre março de 1942 e abril de 1944. © FBK
- Endereçamento das encomendas por trabalhadores portugueses na secção de encomendas do Comité de Auxílio. Entre julho de 1942 e 1944. © ZJK
- Dr.ª Adelaide Constantino Viegas, desde a primavera de 1941, médica do Comité de Auxílio aos Refugiados Polacos em Portugal. Lisboa, julho de 1944. © ZJK
- A capela da Nossa Senhora de Montserrate na Rua e Praça das Amoreiras em Lisboa, construída no arco do aqueduto, onde as missas polacas eram realizadas regularmente durante a guerra, até junho de 1942. 5 abril 1938. © ANTT
- Membros do Comité de Auxílio aos Refugiados Polacos em Portugal. Sentados da esquerda para a direita: Stanisław Schimitzek e Dra. Adelaide Constantino Viegas. Lisboa, julho de 1944. © ZJK