A prova de amizade. Segunda Guerra Mundial, 1939-1945 (Parte I)

O desenvolvimento das relações bilaterais foi perturbado pela eclosão da Segunda Guerra Mundial. A agressão do Terceiro Reich e da União Soviética contra a Polónia resultou dos acordos do Pacto Molotov-Ribbentrop, que provocaram reações muito negativas em Lisboa. As esperanças do primeiro-ministro António de Oliveira Salazar de que o conflito mantivesse uma dimensão local fracassaram. Em consequência dos bombardeamentos alemães, o edifício da Legação de Portugal em Varsóvia ficou danificado. A 21 de setembro, o ministro de Portugal Sousa Mendes foi evacuado para Königsberg. Portugal permaneceu neutro, continuando a reconhecer a Legação da Polónia, apesar das exigências alemãs para o seu encerramento. No entanto, não acreditou o seu representante junto das autoridades polacas no exílio em França. A imprensa publicou artigos, destacando, em geral, o heroísmo dos polacos na defesa da sua soberania, e Salazar e o patriarca de Lisboa, o cardeal Manuel Cerejeira, manifestaram o seu pesar. No Ministério dos Negócios Estrangeiros de Lisboa, o ministro da Alemanha foi informado de que o novo governo polaco era o sucessor legítimo do anterior; foi também autorizado um aumento significativo do número de funcionários na missão polaca. Como, então, escreveu um dos diplomatas, a Legação da Polónia em Lisboa “transformou-se, de um dia para o outro, de uma pequena delegação na maior representação da Polónia na parte ocidental do continente europeu”[1].

Desde a queda de França em junho de 1940 até aos desembarques aliados na Normandia em junho de 1944, a rota principal que ligava o continente europeu aos países ocidentais da coligação anti-Hitler passava por Portugal. O país era um excelente posto de observação tanto dos países ocupados pela Alemanha, como do próprio Terceiro Reich. As autoridades de Lisboa deram abrigo temporário a milhares de refugiados, a maioria deles da Bélgica, da França, da Holanda e da Polónia. Os primeiros refugiados polacos já estavam de passagem por Portugal no outono de 1939. No verão do ano seguinte, o país assumiu inesperadamente grande importância para os interesses polacos, tal como a vizinha Espanha. Tornaram-se importantes países de trânsito para os polacos que pretendiam deixar a Europa continental ocupada ou controlada pela Alemanha, sobretudo a França. Políticos, diplomatas e funcionários de outras instituições, artistas, cientistas, jornalistas e os judeus polacos particularmente ameaçados pelos alemães foram evacuados através de Portugal. Durante a guerra, cerca de 5.500 militares polacos e cerca de 6.000-7.000 civis passaram por este país, num total de aproximadamente 11.500-12.500 pessoas. Este foi o primeiro contacto em massa da história entre polacos e portugueses.

No verão de 1940, como resultado do afluxo maciço de refugiados a Portugal, as autoridades de Lisboa decidiram retirar-lhes os passaportes e encaminhá-los para locais fora da capital. No entanto, não foram colocados em campos. Figueira da Foz recebeu o maior número de polacos e, a partir do outono, Caldas da Rainha. Outros polacos passaram a viver na Anadia, Curia e no Porto. Com o tempo, um número crescente de refugiados foi autorizado a permanecer em Lisboa ou receberam passes para visitar esta cidade. Em 1943, ainda havia fugitivos polacos a chegar. Estes eram dirigidos principalmente para a Ericeira, que se tornou no maior centro polaco fora de Lisboa.

No final de junho de 1940, o primeiro-ministro, o general Władysław Sikorski, dirigiu um pedido ao governo português, solicitando a entrada em Portugal de cerca de mil refugiados polacos. A legação garantiu que seriam evacuados rapidamente e que até lá não estariam dependentes das autoridades locais. Só depois da partida destes é que o governo português permitiria a entrada de mais exilados. O país não teve a capacidade de se tornar, durante a guerra, um local de asilo para todos os refugiados que a ele chegaram; aliás, a maioria queria deixar a Europa o mais depressa possível. Foram aplicadas várias restrições, temendo a infiltração de elementos subversivos que, de um modo geral, não se aplicavam aos polacos, embora se esperasse que viessem a desenvolver uma vigorosa atividade antialemã. O governo polaco nem sempre conseguiu assegurar uma evacuação eficaz dos seus cidadãos e assim poder continuar a trazer outros de França. Não foi possível organizar uma evacuação coletiva. Os militares e funcionários públicos estavam à espera de ir para o Reino Unido para continuar a lutar ou para trabalhar em instituições governamentais; os civis, por sua vez e de um modo geral, pretendiam ir para países do continente americano. O problema principal era a obtenção de vistos de destino.

LEGENDAS DAS FOTOGRAFIAS

  • Aristides de Sousa Mendes, cônsul-geral português em Bordéus, irmão de César. Em junho de 1940, emitiu vistos em massa, entre outros, a cidadãos polacos, incluindo judeus. Estes foram revogados pelas autoridades em Lisboa. Todas as indicações apontam para que todos os polacos que os receberam entraram em Portugal. Bordéus, c. 1940. © ZAMSM
  • Visita ao centro polaco para refugiados nas Caldas da Rainha pelo encarregado de negócios da República da Polónia em Portugal, Gustaw Potworowski (sentado, quarto a contar da esquerda). 17 de junho de 1944. © ZJK
  • Ignacy Jan Paderewski, pianista e compositor de renome mundial. Em outubro de 1940, durante a sua última viagem aos EUA, parou no Estoril. Foto de antes de 1940. © NAC
  • Józef Potocki, ministro plenipotenciário, conselheiro da Legação da Polónia em Portugal (1940-1944), e, em 1943, encarregado de negócios e delegado da Cruz Vermelha Polaca em Lisboa. Foto pós-guerra. © ZPP
  • Józef Wittlin, eminente poeta polaco do círculo literário vanguardista “Skamander”, prosador, ensaísta e tradutor. Aqui retratado em 1940 com a sua esposa Halina e a filha Elżbieta em Lisboa. © ZEWL
  • O edifício da Legação da Polónia em Lisboa entre 1936 e 1945 na Rua das Amoreiras n.º 105. Foto de 2008. © ZJSC

 


[1] Utiliza-se aqui a tradução de Teresa Fernandes Swiatkiewicz, publicada em Jan Stanisław Ciechanowski (2015) Portugalio, dziękujemy! Polscy uchodźcy cywilni i wojskowi na zachodnim krańcu Europy w latach 1940–1945. Portugal, obrigado! Os refugiados polacos, civis e militares, nos confins da Europa Ocidental nos anos de 1940-1945. Thank You, Portugal! Polish civilian and military refugees at the western extremity of Europe in the years 1940-1945. Warszawa: Urząd do Spraw Kombatantów i Osób Represjonowanych, Oficyna Wydawnicza RYTM: 38 (N. do T.)