Em busca de um modelo de relações 1919-1939 (Parte I)
Foi só quando a Polónia recuperou a sua independência, em novembro de 1918, que as relações polaco-portuguesas puderam desenvolver-se com normalidade. O governo de Lisboa reconheceu oficialmente a existência do renascido Estado polaco a 21 de junho de 1919. Porém, a instabilidade política vivida em Portugal na altura levou o ministro (enviado) da Polónia Franciszek Ksawery Orłowski a apresentar as suas cartas credenciais ao presidente de Portugal, apenas em 13 de maio de 1922; pode-se, pois, considerar esta data como o momento em que que as relações diplomáticas foram restauradas e estabelecidas na sua forma moderna. Por razões económicas, porém, o representante polaco em Lisboa operava desde Madrid, mesmo depois de Portugal ter aberto um posto em Varsóvia no verão de 1923.
Desde 1927 que se planeava a abertura da Legação da Polónia independente em Lisboa, mas problemas orçamentais impediram que tal acontecesse. Em junho de 1929, o ministro polaco dos Negócios Estrangeiros, August Zaleski, fez uma visita à capital portuguesa. A 28 de dezembro desse mesmo ano, foi celebrada, em Lisboa, uma convenção de comércio e navegação, negociada intermitentemente desde 1924, concedendo-se mutuamente, com algumas exceções, uma cláusula de nação mais favorecida. Foi ratificada apenas em março e abril de 1931. No ano anterior, surgira, em Lisboa, a Câmara de Comércio Polaca em Portugal, chefiada pelo engenheiro Samuel Schwarz, um judeu polaco de Zgierz, cidadão da República da Polónia e investigador da história dos judeus em Portugal. O comércio estava a desenvolver-se, mas Varsóvia e Lisboa não conseguiam chegar a acordo sobre um anexo à convenção, apesar de vários anos de negociações. Também não foi possível concluir uma convenção consular nem um acordo de extradição e assistência judiciária em matéria penal.
O mais importante acontecimento na história das relações entre Portugal e a Polónia durante o período entreguerras teve lugar entre dezembro de 1930 e março de 1931. Nessa altura, o marechal Józef Piłsudski, pai da independência polaca e que de facto comandava o país, estava de férias na Madeira — a “pérola” e o “paraíso” do Atlântico. Durante uma visita ao Palácio de Belém de Lisboa, o presidente da República Portuguesa, general Óscar Carmona, concedeu-lhe a Grã-Cruz da Ordem da Torre e Espada; a retribuição chegou quatro meses mais tarde, quando Jan Perłowski, ministro da Polónia, condecorou o chefe do Estado Português com a Ordem da Águia Branca. Vale a pena notar que se o marechal Piłsudski tivesse ficado mais dez dias na Madeira teria testemunhado uma revolta da oposição republicana contra a ditadura, e que resultou na tomada do poder na ilha por quase um mês. O líder polaco levou consigo boas recordações do arquipélago, dizendo mais tarde que feliz era o país cuja Sibéria era a Madeira.
O ano de 1933 trouxe o estabelecimento factual das relações diplomáticas plenas e a possibilidade do seu desenvolvimento normal como resultado da criação da Legação da Polónia independente em Lisboa. Até ao início da guerra, os contactos bilaterais tornaram-se cada vez mais frequentes a cada ano que passava. Os subsequentes ministros da Polónia observaram com interesse a original ditadura conservadora do Estado Novo, relatando as mudanças que estavam a ter lugar em Portugal.
A atitude de Lisboa em relação à Guerra Civil Espanhola estava a ser acompanhada de perto desde 1936. Foi nesta altura que os serviços secretos polacos se tornaram ativos nas terras lusas. Em 1937, foi nomeado como ministro da Polónia em Lisboa Karol Dubicz-Penther, um major na reserva e, ao mesmo tempo, chefe encapotado do posto de serviços secretos “Anitra”, da II Secção do Estado-Maior Geral, cuja principal tarefa era observar o conflito espanhol. Uma conversa entre o diplomata e o primeiro-ministro António Salazar resultou numa colaboração contra o pacto Comintern, sobre a qual, porém, não se sabe muito. Os serviços secretos polacos estiveram também representados em Lisboa por um adido militar. O lado polaco tentou, sem grande sucesso, vender armas a Portugal. Demonstrou também interesse em assuntos marítimos relacionados com o desenvolvimento de uma presença polaca nos mares e oceanos. Os consulados honorários desempenharam um papel importante — Portugal estabeleceu-os em Varsóvia, na Cidade Livre de Gdańsk, em Łódź e em Gdynia, e a Polónia em Lisboa, no Porto, no Funchal, em Benguela (Angola) e em Ponta Delgada nos Açores.
LEGENDAS DAS FOTOGRAFIAS
- O ministro da Marinha de Portugal, o contra-almirante Luís António de Magalhães Correia (quarto a contar da esquerda) após ter sido condecorado com a Grande Faixa da Ordem da Polonia Restituta por Jan Perłowski, ministro da Polónia em Lisboa. Lisboa, 27 de janeiro de 1932. © ANTT
- O marechal Józef Piłsudski e o general Óscar Carmona com participantes num almoço oferecido em honra do convidado polaco em frente ao Palácio Nacional em Belém, Lisboa. 20 de dezembro de 1930. © ANTT
- O ministro de Portugal na Polónia, Thomaz Ribeiro de Mello, deixa o Hotel Bristol em Varsóvia para a cerimónia de entrega de cartas credenciais ao presidente da República da Polónia. 17 de outubro 1930. © NAC
- Jan Perłowski, ministro da Polónia em Portugal, após ter apresentado as suas cartas credenciais ao presidente da República Portuguesa. Lisboa, 27 de julho de 1927. © ANTT
- Ministro da Polónia em Portugal, Jan Perłowski (décimo a contar da direita), durante um chá dado em sua honra pela colónia polaca em Lisboa, cidadãos polacos de nacionalidade judaica. 21 de julho de 1927. © ANTT
- O primeiro ministro de Portugal na Polónia, Vasco de Quevedo (quinto a contar da direita, usando um carapuço de pele), numa caçada representativa em Spała com a presença do presidente da Polónia Ignacy Mościcki. Janeiro de 1927. © NAC