A tradição das relações luso-polacas. Desde a Idade Média até ao século XIX
Ao longo dos séculos, as relações entre a Polónia e Portugal não foram frequentes devido principalmente à distância que separa os dois países. No entanto, sempre se caracterizaram por uma boa vontade recíproca. Começaram na Idade Média. Quando, em 1415, o infante D. Henrique tomou Ceuta, foi acompanhado nessa expedição por cavaleiros polacos, cujos nomes eram desconhecidos. Na Madeira, contavam-se histórias sobre o estabelecimento de um príncipe de nome Henrique nesta ilha atlântica. Reza a lenda que este príncipe era o rei da Polónia e da Hungria, Ladislau III Jaguelão, milagrosamente resgatado, e que, segundo o conhecimento comum, morrera na Batalha de Varna contra os turcos em 1444.
Os primeiros contactos comerciais luso-polacos conhecidos remontam ao século XIV. Aos portos de Portugal, vindos de Gdańsk, chegavam cereais e madeira frequentemente através da feitoria portuguesa em Antuérpia. Na direção oposta, transportava-se sal, peixe do Atlântico, fruta, vinho, açúcar e, sobretudo, especiarias exóticas da Guiné, do Ceilão, de Malabar e das Molucas. No século XVI, os dois países, situados nas franjas do Velho Mundo, encontravam-se no cruzamento das rotas comerciais mundiais.
A família judaica de Gaspar da Gama é originária de Poznań. Em 1498, Gaspar entrou em contacto, na Índia, com Vasco da Gama, o famoso descobridor da rota marítima para o subcontinente indiano, com o qual regressou à Europa. Participou depois na expedição de Pedro Álvares Cabral, durante a qual o Brasil foi descoberto, e na expedição subsequente de Vasco da Gama à Índia. O eminente humanista português Damião de Góis visitou a Polónia duas vezes, em 1529 e 1531, como embaixador do rei português na tentativa de conseguir a mão da princesa Edviges Jaguelã, filha de Sigismundo I, O Velho, rei da Polónia, para o infante D. Luís de Portugal, irmão do rei João III da dinastia de Avis. Vindos da Polónia, chegaram a Portugal comerciantes, membros do clero (incluindo os jesuítas, que partiram de Lisboa para o Extremo Oriente), cavaleiros, mais tarde a nobreza, e ainda viajantes e diplomatas. Em 1733, o irmão de D. João V, o infante D. Manuel, foi um dos candidatos à coroa eleitoral polaca. Em 1754, o padre Casimiro Wyszyński, antigo prior da Ordem Mariana, fundou o primeiro mosteiro desta congregação em Portugal, em Balsamão; morreu neste local um ano mais tarde com fama de santidade. Não faltaram também polacos nas possessões portuguesas ultramarinas. De forma análoga, também houve portugueses que foram para a Polónia, entre eles, Jesuítas e Dominicanos. Ambas as nações estavam unidas sobretudo por uma visão semelhante acerca do seu lugar na Europa, pela convicção do seu papel como baluartes do cristianismo e ainda da sua missão histórica no continente. As relações diplomáticas entre as cortes eram esporádicas e foram sendo mantidas através da realização de missões ad hoc.
A derradeira partilha da República da Polónia pelas potências imperiais vizinhas — Rússia, Prússia e Áustria — reverberou fortemente em Portugal, tal como as revoltas polacas de 1830-1831 e especialmente as de 1863-1864 contra o ocupante russo, que visavam libertar a Polónia do jugo da servidão. Durante os anos 1832-1833, o general Józef Bem tentou, sem sucesso, organizar uma Legião Polaca no Porto, que deveria participar na guerra civil ao lado dos liberais e era composta principalmente por veteranos da Revolta de Novembro de 1830-1831, que viria a tornar-se na guerra polaco-russa). Um deles, Józef Karol Konrad Chełmicki (conhecido, em Portugal, como José Carlos Conrado de Chelmicki), alcançou a patente de general de divisão do Exército Português e foi, de facto, um geógrafo notável, autor de uma obra sobre a cartografia de Cabo Verde e da Guiné, que ainda é utilizada nas escolas do continente africano. No século XIX, Portugal encontrou um admirador, na Polónia, na pessoa de Teodor Tripplin, um viajante e um dos precursores da literatura de ficção científica polaca.
Os poetas e escritores portugueses dedicaram numerosas obras à Polónia, cheias de simpatia pela “infeliz” nação polaca, referindo-se entusiasticamente à sua luta pela independência e referiam onde quer que fosse possível “pela nossa liberdade e pela vossa”. Já em 1830, Almeida Garrett, eminente escritor do Romantismo português, documentava: “A Polónia, que a estupidez e crueza dos príncipes europeus deixou assolar, destruir e, ao final, devorar pela Rússia, era a mais forte trincheira da Europa contra a ambição dos Moscovitas”.
LEGENDAS DAS FOTOGRAFIAS
- Theodor Tripplin (pintado por Joseph Simmler, 1852) © MNW
- Almeida Garrett (pintado por Pedro Augusto Guglielmi, 1844) © BNP
- Ladislau III Jaguelão, rei da Polónia e da Hungria (pintado por Marcello Bacciarelli, entre 1768 e 1771) © ZKWM
- General Joseph Bem (anónimo, c. 1850) © MWP
- Vasco da Gama (pintado por António Manuel da Fonseca, 1838) © NMM
- Damião de Góis (gravura atribuída a Albrecht Dürer, c. 1520-1521) © ALB