Entre a ditadura e a democracia

Do congelamento das relações no pós-guerra, passando pela Revolução dos Cravos em Portugal até à queda do comunismo na Polónia 1945-1974-1989

Após o fim da guerra, Portugal não reconheceu os governos comunistas de Varsóvia, controlados pelos soviéticos. Até 1958, houve uma representação não oficial do governo da República da Polónia no exílio em Lisboa, chefiada pelos antigos diplomatas Gustaw Potworowski e, mais tarde, Jan Tomaszewski, cuja mãe era portuguesa. Até meados dos anos 60, existia um Consulado Honorário da República da Polónia chefiado pelo coronel britânico Martin Leslie. No entanto, estas missões não eram reconhecidas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de Lisboa. Em 1946, o primeiro-ministro António Salazar não concordou com a criação, em Portugal, de uma casa editorial da Polónia livre, apesar dos esforços do general Władysław Anders. No entanto, anuiu ao pedido para que este oficial pudesse instalar-se ali durante algum tempo — mas este plano acabou por não se concretizar. Nesta altura, a maioria dos refugiados já tinha deixado Portugal. Cerca de 200 pessoas permaneceram, principalmente funcionários de instituições polacas, incluindo diplomatas e oficiais dos serviços secretos. Durante a Guerra Fria, alguns trabalharam na Rádio Europa Livre.

Poucos artistas e cientistas polacos se estabeleceram em Portugal, e os raros casos dos portugueses que se instalaram na Polónia resultaram, regra geral, de casamentos com mulheres polacas. Em 1973, Maria Danilewicz, crítica literária, bibliógrafa, escritora, chefe de longa data da Biblioteca Polaca em Londres, estabeleceu-se no Feijó, nos arredores de Lisboa. Casou-se com o editor e jornalista Adam Zieliński, autor de estudos episódicos sobre a história das relações polaco-portuguesas. A sua casa, a Quinta das Romãzeiras, tornou-se num dos mais importantes centros da “Polonidade” em Portugal até à morte da escritora em 2003.

Na chamada Polónia Popular, a imprensa escrevia negativamente sobre o Estado Novo e favoravelmente sobre a oposição portuguesa, e os jornais portugueses diziam o mesmo, respetivamente, sobre o regime de Varsóvia e os polacos que combatiam o comunismo. Foram escassos os contactos económicos. Em 1956, o Banco Nacional da Polónia e o Banco de Portugal assinaram um acordo que permitia o comércio sem intermediários. Em 1972, o volume de comércio com Portugal ascendeu a menos de 1% do intercâmbio anual da República Popular da Polónia (RPP) com países capitalistas. A partir de 1961, Varsóvia apoiou a luta pela independência e o estabelecimento de regimes “não capitalistas” e “progressistas” nas colónias portuguesas em África. A partir de 1972, foram enviados, para estes países, fornecimentos secretos de armas e equipamento militar como parte da divisão de tarefas no bloco soviético, embora estes não fossem significativos em comparação com outros países do bloco.

Uma mudança fundamental ocorreu em consequência da Revolução dos Cravos em Portugal, em abril de 1974. A RPP recebeu com agrado o “Processo Revolucionário em Curso”. Apoio ideológico foi concedido às novas autoridades, bem como apoio em outras áreas, na medida das modestas possibilidades existentes. Após “consulta aos camaradas soviéticos”, o Politburo do Partido do Operário Unificado Polaco (POUP) decidiu estabelecer relações diplomáticas com Portugal, o que aconteceu a 11 de julho em Lisboa, sob a forma de troca de notas. Foram criadas embaixadas e, em janeiro de 1975, o primeiro secretário do Comité Central do POUP, Edward Gierek, fez uma visita à capital portuguesa — o primeiro líder de um Estado comunista a visitar aquele país. A visita do presidente português Francisco da Costa Gomes teve lugar no outono desse ano. Entre outros atos, foi então assinado um acordo de cooperação cultural e científica.

A construção das relações bilaterais desenvolvia-se positivamente enquanto os governos controlados pelo Movimento das Forças Armadas e pelo Conselho da Revolução vigoraram em Portugal. Houve numerosas visitas de estado e de partidos. As autoridades comunistas da RPP e a sua missão em Lisboa, bem como o POUP, mantiveram relações estreitas com o Partido Comunista Português (PCP), cujo secretário-geral Álvaro Cunhal visitou a Polónia várias vezes. Quando a democracia em Portugal se consolidou, e os governos constitucionais arrancaram a partir de 1976, inicialmente encabeçados pelo Partido Socialista, considerado pela República Popular da Polónia como cúmplice dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) na “interferência nos assuntos internos de Portugal”, as relações entre Lisboa e Varsóvia esfriaram.

Por sua vez, verificou-se uma deterioração significativa quando o centro-direita tomou o poder em Portugal em 1980, colocando maior ênfase no desrespeito, pela ditadura comunista da RPP, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. A diplomacia de Varsóvia procurou contrariar o apoio do sindicato socialista União Geral de Trabalhadores (UGT) ao Solidariedade e impedir a visita de Lech Wałęsa a Portugal. O governo em Lisboa condenou a imposição da lei marcial na Polónia dos anos 1981-1983 e o uso da força para suprimir os protestos que causaram cerca de uma centena de mortes. De acordo com a Embaixada da República Popular da Polónia, o governo tomara uma posição “mais drástica” do que a da OTAN, introduzindo sanções severas. De grande importância foi a visita de João Paulo II a Portugal em 1982. O Papa polaco recebeu a mais calorosa receção de todos os países europeus visitados, com a exceção do seu próprio.

Os anos entre 1974-1989 foram simultaneamente um período de estabelecimento de contactos culturais e contactos científicos. Livros sobre Portugal na Polónia e sobre a Polónia em Portugal começaram a ser publicados, traduziu-se literatura, e foram iniciados intercâmbios de bolsas de estudo, envolvendo muito mais cientistas e estudantes da Polónia do que de Portugal. Departamentos de estudos portugueses foram estabelecidos em universidades polacas, o primeiro na Universidade de Varsóvia em 1978. No ano seguinte, foi criado, na Universidade de Lisboa, o leitorado de língua e cultura polaca. Portugal começou a enviar docentes do Instituto de Língua e Cultura Portuguesa (desde 1992, Instituto Camões) para a República Popular da Polónia.

A cooperação económica não foi impulsionada devido à incompatibilidade dos sistemas económicos e em consequência da crise crescente na República Popular da Polónia a partir de 1976, bem como pela turbulência económica em Portugal. Houve uma cooperação limitada nas indústrias da construção naval e da metalomecânica. Em 1976, o POUP, a pedido do “irmão” PCP, organizou um curso de gestão para “ativistas económicos” envolvidos em processos “revolucionários” em empresas “sob controlo dos trabalhadores”. O comércio aumentou. O turismo deu também os primeiros passos, mas o volume de negócios neste campo era mínimo.

LEGENDAS DAS FOTOGRAFIAS

  • Edward Gierek, primeiro secretário do Comité Central do Partido Operário Unificado Polaco, e Vasco Gonçalves, primeiro-ministro de Portugal, durante o adeus à delegação polaca no aeroporto de Lisboa. 17 de janeiro de 1975. © PAP
  • Presidente de Portugal e presidente do Conselho da Revolução, o general Francisco da Costa Gomes, e o primeiro secretário do Comité Central do Partido Operário Unificado Polaco Edward Gierek assinam uma declaração sobre o desenvolvimento de relações amigáveis e cooperação. 30 de setembro de 1975. © PAP (J. Morek)
  • Conversações plenárias polaco-portuguesas na sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros em Varsóvia durante a visita à República Popular da Polónia do ministro Ernesto Melo Antunes. Março de 1976. © PAP (S. Dąbrowiecki)
  • Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal Ernesto Melo Antunes em visita oficial à República Popular da Polónia e o presidente do Conselho de Estado da República Popular da Polónia, o prof.
  • Henryk Jabłoński, durante uma reunião no Palácio Belweder em Varsóvia. Março de 1976. © PAP (S. Dąbrowiecki)
  • General Wojciech Jaruzelski, presidente do Conselho Militar de Salvação Nacional, a junta extra-constitucional que administrou a República Popular da Polónia durante a lei marcial; o primeiro secretário do Comité Central do Partido Operário Unificado Polaco, e Álvaro Cunhal, secretário-geral do Partido Comunista Português, durante uma reunião durante a lei marcial. Varsóvia, abril de 1982. © PAP (D. Kwiatkowski).
  • General de divisão Wladysław Anders, comandante do Segundo Corpo Polaco, vencedor da batalha de Monte Cassino. Londres, 4 de abril de 1945. © NAC (Cz. Datka)