A prova de amizade. Segunda Guerra Mundial, 1939-1945 (Parte IV)

Após a queda de França, a rota de evacuação passava por Portugal, principalmente para os soldados polacos, e, em menor escala, para as tropas aliadas que não tinham conseguido sair de uma França à beira do colapso em direção ao Reino Unido ou, também, para os pilotos e outros membros da tripulação aérea que tinham sido abatidos na Alemanha ou nos países ocupados. As Forças Armadas polacas recompostas foram reforçadas com cerca de 5.500 militares que tinham passado pelo país mais ocidental da Europa. As autoridades militares da República da Polónia em Londres organizaram postos de evacuação secretos: o principal deles em Lisboa e um segundo, subordinado a este, em Madrid. Foram utilizados pontos de apoio, organizados quer pelos ingleses quer pelos polacos. Os militares eram evacuados através dos Pirenéus e de Espanha. Inicialmente, os soldados que conseguiram chegar a Portugal foram escondidos até que as formalidades de saída ficassem concluídas. Os poucos que foram detidos pela polícia portuguesa foram transportados para o forte de Caxias, perto de Lisboa, e depois “expulsos” para os navios britânicos. Contudo, já em 1942, fora alcançado um acordo confidencial entre a missão militar polaca e as autoridades portuguesas, que estabelecia que os soldados vindos de França que tivessem entrado ilegalmente em Portugal seriam encaminhados para um refúgio especialmente estabelecido em Oeiras, localidade nos arredores de Lisboa, sendo depois escoltados o mais rapidamente possível para os navios com destino ao Reino Unido.

Lisboa tornou-se num importante centro de inteligência, onde rivalizavam as partes beligerantes. Um oficial polaco escreveu: “Não sei se (…) alguém em Varsóvia terá suposto, antes de 1939, que Lisboa se tornaria o principal centro de trabalho dos serviços secretos nesta guerra”[1]. No outono de 1940, era aí estabelecida a Agência “P” da 2.ª Secção do Quartel do Comandante Supremo. Dirigia a recolha de informações sobre a Alemanha, Itália e França.

Por sua vez, a partir de 1941, o posto de inteligência civil, subordinado à Ação Continental do Ministério dos Assuntos Internos polaco, foi chefiado pelo tenente-coronel Jan Kowalewski, um dos mais destacados oficiais de inteligência polacos, que, durante a guerra polaco-soviética de 1919-1920, quebrou as cifras russas, o que contribuiu para a derrota dos bolcheviques perto de Varsóvia e parar a sua marcha sobre a Europa Ocidental. Durante a Segunda Guerra Mundial, tentou, em nome do governo da República da Polónia, trazer a Roménia, a Hungria e a Itália para o campo aliado, mostrando habilmente aos representantes destes países os caminhos para o outro lado, o que se pretendia atingir principalmente através da provocação de ceticismo sobre a vitória final do Terceiro Reich. O oficial polaco conduziu esta operação, à qual foi atribuído o nome de código “Trójnóg” [Tripé], em colaboração com o representante não oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o antigo vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Jan Szembek. O seu fiasco foi provocado pela doutrina da “rendição incondicional” das potências do Eixo, estabelecida em janeiro de 1943, em Casablanca, por Winston Churchill e Franklin D. Roosevelt, bem como pelo resultado da Conferência de Teerão, que colocou toda a Europa Central e de Leste na esfera da influência soviética. Após a guerra, Edward Raczyński, que na altura do conflito fora embaixador da República da Polónia em Londres e chefe do Ministério dos Negócios Estrangeiros, recordou que esta fora uma das “oportunidades perdidas da Segunda Guerra Mundial”. O chefe da representação dos serviços de inteligência americanos em Lisboa acreditava que os dois postos avançados de inteligência polacos eram “provavelmente o melhor sistema de inteligência ofensiva de Lisboa”. Em Portugal, funcionava também uma base militar de ligação para comunicações externas com o país “Liza” (posteriormente “Migdał” [Amêndoa]).

Em termos gerais, a imprensa portuguesa — embora limitada pela censura — escreveu positivamente sobre a Polónia, com destaque para Pedro Correia Marques, diretor do jornal católico A Voz. O governo em Lisboa seguia, com crescente preocupação, a ameaça soviética à Europa Central e de Leste, temendo a sua extensão à parte ocidental do continente. No início de 1945, António de Faria foi nomeado ministro de Portugal junto do presidente da República da Polónia em Londres, mas a deterioração da posição das autoridades polacas levou à suspensão desta decisão até que a situação se esclarecesse. Após a retirada do reconhecimento do governo da República da Polónia pelos aliados ocidentais em 5 de julho de 1945, o gabinete português fez o mesmo, mas assegurou aos diplomatas da República da Polónia independente a possibilidade de uma eliminação escalonada dos seus postos e que poderiam permanecer em Portugal, o que alguns aproveitaram.

LEGENDAS DAS FOTOGRAFIAS

  • Audiência de Florian Piskorski (primeiro a contar da esquerda), delegado na Europa para o Conselho da Comunidade Polaca na América, com o presidente de Portugal, general Óscar Carmona (quarto a contar da esquerda), no Palácio Nacional de Belém, Lisboa. 1944. © ZCTM
  • Tenente-coronel Stanisław Kara. Lille, 1932. © NAC
  • António Augusto Braga Leite de Faria, conselheiro na Embaixada da República Portuguesa em Londres. Foto pós-guerra. © AHD
  • Wanda Tozer, apelido de solteira Morbitzer, secretária do Consulado Honorário da República da Polónia em Barcelona, organizadora da evacuação dos soldados polacos através da Catalunha. Em novembro de 1943, foi transferida para Portugal, onde fixou residência num abrigo para soldados em Oeiras. Entre dezembro de 1943 e o início de 1945 © ZCTM
  • O tenente-coronel Jan Kowalewski com a filha Teresa perto da estação ferroviária do Rossio, em Lisboa, entre 1940 e 1944. © ZTKF
  • Jan Szembek, diplomata polaco, instalou-se no Estoril em 1940, onde viria a morrer em agosto de 1945; foi enterrado no Cemitério dos Prazeres em Lisboa. Varsóvia, novembro de 1932. © NAC

 


[1] Utiliza-se aqui a tradução de Teresa Fernandes Swiatkiewicz, publicada em Jan Stanisław Ciechanowski (2015) Portugalio, dziękujemy! Polscy uchodźcy cywilni i wojskowi na zachodnim krańcu Europy w latach 1940–1945. Portugal, obrigado! Os refugiados polacos, civis e militares, nos confins da Europa Ocidental nos anos de 1940-1945. Thank You, Portugal! Polish civilian and military refugees at the western extremity of Europe in the years 1940-1945. Warszawa: Urząd do Spraw Kombatantów i Osób Represjonowanych, Oficyna Wydawnicza RYTM: 37. (N. do T.)