(fot. Willa Decjusza 2021)
Aaiún Nin – poetisa nascida em Angola – recebeu uma das bolsas oferecidas pela Cidade de Cracóvia no âmbito do programa ICORN em 2021.
Aaiún Nin escreve em inglês, português e francês. A sua poesia baseia-se na sua experiência de infância e juventude passada numa comunidade patriarcal tradicional e está fortemente enraizada no contexto da história pós-colonial africana. Nos seus poemas, a artista refere-se frequentemente à situação prevalecente em Angola, incluindo a abordagem de questões de violência sexual contra as mulheres, fundamentalismo religioso, desigualdade social e racismo. Enquanto viveu em Copenhaga, as contribuições de Aaiún Nin também levantaram questões de discriminação legal contra migrantes e de violência policial sistemática na Escandinávia, e no contexto do movimento “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam) ela falou em defesa dos direitos dos negros. Os seus artigos e poemas apareceram nas revistas Friktion Magasin, Kritiker e Klimaaksjonen (Norwegian Writers’ Climate Campaign – NWCC), entre outras.
Embora em Angola a lei que criminaliza a homossexualidade tenha sido abolida e esteja em vigor uma nova lei para combater a discriminação e o discurso do ódio, a realidade é que a homofobia, profundamente enraizada na moralidade tradicional, não desapareceu. As pessoas LGBT+ enfrentam ostracismo social, assédio e estigmatização; enfrentam também desvantagens no mercado de trabalho, acesso desigual aos cuidados de saúde, educação ou propriedade. O casamento entre pessoas do mesmo sexo não é legal e a orientação sexual é um assunto tabu, em grande parte devido à forte posição da Igreja Católica e à sua influência na formação das normas morais prevalecentes. Tudo isto torna os não-heterossexuais um alvo frequente de ataques homofóbicos; são vítimas de espancamentos, violações e brutalidade policial.
Para Aaiún Nin, que explora abertamente o tema da identidade homossexual na sua poesia, regressar ao país é, portanto, um grande risco. Após quatro anos em Copenhaga, uma bolsa de estudo ICORN permitiu-lhe permanecer na Polónia por mais dois anos.
Além disso, a edição de julho da revista Zupełnie Inny Świat (em polaco) dedica-se a Angola. Lá encontrarão textos interessantes de pesquisadores como Wojciech Charchalis, ou Jakub Jankowski. Vale a pena conferi-la!
No seu volume de estreia, Aaiún Nin confronta a memória da sua infância e juventude passada em Angola e a experiência da migração para a Europa, acompanhada pela descoberta de uma identidade sexual não heteronormativa. No entanto, “Broken Halves of a Milky Sun” não é um cartão postal exótico de países calorosos. Trata-se de um retrato assustador das realidades da África pós-colonial e de um manifesto de dissidência impiedosamente honesto. Aaiún Nin traça as consequências da ordem patriarcal da Angola contemporânea, abordando temas de violência sexual contra as mulheres, fundamentalismo religioso e desigualdade social, e faz uma crítica devastadora às políticas anti-imigrantes dos países ocidentais, expondo o racismo e a hipocrisia das saturadas sociedades do Primeiro Mundo.
A melhor metáfora para o rosto negligenciado das cidades africanas que servem de plano de fundo a estes poemas (e às questões que abordam) é a imagem do autor na capa – inspirada pelas fachadas dilapidadas dos edifícios coloniais de Luanda e evocativa das fronteiras continentais e nacionais que hoje em dia retêm multidões de pessoas que procuram refúgio.
O resultado destas explorações é um livro que é extremamente pessoal, mas ao mesmo tempo consciente do amplo contexto geopolítico; é maturavelmente honesto e pouco generoso. Embora os diagnósticos que contém sejam deprimentes, não se detém no desespero mas, no meio da injustiça e do sofrimento, encontra a esperança e a alegria que advém da construção e da manutenção dos laços humanos e do acalentar da memória das próprias raízes neste tempo sombrio.
O volume, traduzido por Paweł Łyżwiński e Adam Partyka (editado por Marta Eloy Cichocka), estreou em Junho de 2022 e foi publicado pela LOKATOR MEDIA.
Aaiún Nin
Poetisa, artista e activista angolana. Aborda temas de discriminação racial e de género e as experiências das pessoas LGBT+ na sua obra. Em 2016, emigrou para a Dinamarca, onde começou a colaborar com artistas identificando-se com a cultura queer (um movimento artístico e político centrado na emancipação de pessoas não-heteronormativas). Ela realizou a sua poesia ao vivo, entre outros, no Oslo Internasjonale Poesifestival em 2020. Foi também apresentada no documentário ‘Women of Water’ realizado por Patricia Bbaale Bandak em 2017.