Há umas semana, falámos com o vencedor da 2.ª edição do concurso Poesis, o concurso de tradução de poesia dinamizado pelo Instituto de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos da Universidade de Varsóvia e o leitorado do Camões I.P. nesta instituição. O vencedor, Adam Filonik, estuda atualmente filologia portuguesa e filologia japonesa na Universidade de Varsóvia. A conversa com ele foi profundamente enriquecedora e possibilitou-nos conhecer melhor o ato de traduzir poesia, bem como as estratégias pessoais escolhidas pelo tradutor. Está tudo aqui em baixo.

Boa leitura!

Os meus parabéns pela tradução – quando a li pela primeira vez fiquei surpresa com a leveza das palavras e a preservação do estilo simples mas, ao mesmo tempo, exigente da autora. Mas, comecemos do início ou – melhor dizendo – do pré-início, porque realmente decidiste participar no concurso Poesis?

Muito obrigado. Na verdade, queria verificar as minhas capacidades quanto à tradução literária porque nunca antes tinha experimentado com ela. A forma e o tamanho do poema pareciam ser comportáveis, por isso constatei que essa tarefa não ia ultrapassar as minhas competências. Sabes, este tipo de desafio é sempre uma boa ocasião para ver se a tradução poética é algo interessante para ti, algo com o que gostarias de trabalhar no futuro. A experiência deu certo e acho que a partir daqui vou tentar traduzir mais.

E sobre a autora, Cecília Meireles? O contato com o poema “Motivo” foi o teu primeiro encontro com ela ou já a conhecias?

Já conhecia o seu nome e sabia que ela era uma poetisa brasileira, bastante famosa, mas, sendo sincero, nunca tinha lido nenhuma das suas obras. Podemos dizer que o contato com o seu poema foi, na verdade, o meu primeiro encontro físico com a sua poesia.

E como foi esse encontro?

Gostei muito do caráter ascético e mediativo da sua poesia – pelo menos, esta é a minha receção. Cecília não roubou o meu coração como Clarice Lispector, mas, com certeza, conseguiu despertar a minha curiosidade.

Gostarias de aprofundar o teu conhecimento da sua obra ou preferes apagá-la da memória?

Penso que ainda voltarei à autora. O poema dela encantou-me com o seu estilo despretensioso, e tenho curiosidade em relação ao resto da sua poesia. Na verdade, apenas estou a começar a minha aventura com a poesia brasileira do século XX, por isso acho que a minha relação com Cecília está no início.

Falando já sobre a tradução, qual foi a tua estratégia para traduzir o poema “Motivo”? O que levantou dificuldades e o que foi fácil para ti?

Queria sobretudo espelhar o ritmo e a “pulsação” do poema, que depois de várias releituras se tornaram para mim uma questão fundamental. Na minha opinião, a estrutura do poema sugere que há uma certa ideia de mantra e de transitoriedade, tanto da existência como das palavras. A tentativa de manter estas caraterísticas foi um desafio para mim, mas um pouco facilitado por causa da regularidade das estrofes. Em geral, a tradução não foi muito difícil também porque a temática do poema é universal, o vocabulário e as figuras de linguagem usadas pela autora são relativamente simples. O maior desafio foi, obviamente, a reconstrução das rimas. Tive de ceder e usar rimas imperfeitas, esperando que a obra da autora não sofresse demasiado.

Lembras-te de quanto tempo levou a tradução do poema? Como foi isso na prática, ou seja, tens rituais próprios para trabalhar criativamente ou é algo que fazes espontaneamente?

Para ser sincero, não me lembro muito bem. Traduzi-o sem pressa nem nenhuma disciplina de trabalho. Acho que as melhores ideias e descobertas vêm à noite, é nessa altura que trabalho melhor, com mais eficácia. Ainda não criei os meus próprios rituais no que diz respeito à tradução, mas gosto de fazer brainstormingmesmo no início — escrevo todas as associações livres que me aparecem durante o ato de leitura e releitura. Depois organizo-as e começo a traduzir.

E o que pensas sobre o próprio ato de tradução? Com que o compararias?

Gosto muito da analogia criada pelo poeta polaco Herbert num dos seus poemas em que compara o tradutor a um abelhão que recolhe néctar nas flores. Mergulhar no conteúdo do poema, recolher a sua essência – é isso que me atrai e entusiasma na tradução. Além disso, acho que o resultado final recompensa muito todo o esforço. Não quero soar ingénuo, mas acho que o confronto com o autor que se torna visível durante o ato de tradução é, tanto a nível espiritual como intelectual, uma forma de diálogo com o artista. Isto é uma experiência única e muito especial.

Suponho que gostas de literatura. O que lês diariamente? Que outros interesses tens?

Gosto muito de ler embora não dedique muito tempo à leitura. Adoro os autores clássicos, a literatura mundial, a prosa, a poesia – na verdade, não tenho preferências especificas. Por causa dos estudos leio com frequência autores de língua portuguesa que, na minha opinião, têm muito para nos oferecer. Enquanto às leituras gosto também das que se relacionam com a filosofia, a psicologia ou a musicologia. Recentemente li Fogo pálido, de Nabokov. Além da literatura, sou um entusiasta da música, que na minha vida é tão necessária como o ar. Todos os dias toco guitarra, e esta é a minha forma favorita de me expressar.

E que tal a música criada pelos artistas de língua portuguesa?

Gosto bastante dela. Na realidade, escuto um pouco de tudo – Bossa Nova, samba, choro, tropicália, samba, choro, frevo, baião… É interessante porque a minha aventura com a língua portuguesa começou graças à musica brasileira. Gostei da sua melodia e da própria forma gráfica das palavras, por exemplo o til. Com a fascinação pela língua veio logo a vontade de conhecer a cultura dos países de língua portuguesa que, à primeira vista, parecia ser muito exótica. A presença de tantos sotaques e variedades foi também um aspeto super atraente para mim.

Quais são os teus planos em relação ao futuro próximo? Incluem a língua portuguesa?

Sim, definitivamente. Agora queria continuar estudos portugueses no mestrado na Universidade de Varsóvia, concentrando-me na literatura e na tradução. Estou a planear criar um blogue sobre a música brasileira, traduzir alguma obra de Clarice Lispector e estudar outras línguas, como japonês ou espanhol. Espero conseguir realizar um intercâmbio com alguma universidade brasileira ou, pelo menos, visitar este país. Ficarei contente se, no futuro, puder trabalhar para desenvolver o diálogo entre a Polónia e os países de língua portuguesa no campo cultural.

Anna Kozłowska